terça-feira, 1 de janeiro de 2008

A hora íntima por Vinícius de Moraes




Quem pagará o enterro e as flores

Se eu me morrer de amores?

Quem, dentre amigos, tão amigo

Para estar no caixão comigo?

Quem, em meio ao funeral

Dirá de mim: — Nunca fez mal...

Quem, bêbado, chorará em voz alta

De não me ter trazido nada?

Quem virá despetalar pétalas

No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente

Na terra um grão de semente?

Quem elevará o olhar covarde

Até a estrela da tarde?

Quem me dirá palavras mágicas

Capazes de empalidecer o mármore?

(...)

Quem se abraçará comigo

Que terá de ser arrancada?

Quem vai pagar o enterro e as flores

Se eu me morrer de amores?


2 comentários:

Polly Ana disse...

Perfeita escolha caro mancebo, ainda mais ao se levar em conta que o poeta pede apenas que alguém compartilhe com ele uma hora que ninguém vê como íntima ou opcional, mas sim única e solitária: a morte. Quem estará com ele? Quem será por ele nesta hora? A morte além de aterrorizar, ela afasta e a distância que o eu-lírico amedronta. Quem não tem medo da distância em tempos pós-modernos, épocas apocalípticas que ditam destinos inevitáveis do afastamento ; o homem pós-moderno fragmentado anti-cartesiano se vê em uma redoma de sófocles, o qual nem mesmo Tirésias consegue guiá-lo nesse furacão da distância. A morte não é a questão e sim o afastamento que gera o fim.

H. Henrique disse...

Nossa!

Esta foi de tirar o fôlego.