Meu Deus, me dê a coragemde viver trezentos e
sessenta e cinco dias e noites,todos vazios de Tua
presença.Me dê a coragem de
considerar esse vaziocomo uma
plenitude.Faça com que eu seja
a Tua amante humilde,entrelaçada a Ti em
êxtase.Faça com que eu possa
falarcom este vazio
tremendoe receber como respostao amor materno que nutre e
embala.Faça com que eu tenha a
coragem de Te amar,sem odiar as Tuas
ofensas à minha alma e ao meu corpo.Faça com que a solidão não
me destrua.Faça com que minha solidão
me sirva de companhia.Faça com que eu tenha
a coragem de me enfrentar.Faça com que eu saiba ficar
com o nadae mesmo assim me sentircomo se estivesse plena de
tudo.Receba em teus braçoso meu pecado de
pensar.
quarta-feira, 2 de janeiro de 2008
Clarice Lispector Кларісе Ліспектор
Escrito por felipemaia às 06:55
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2 comentários:
De braços abertos, pode ter certeza...
Clarice, como sempre, nos surpreende com seu lirismo poético,em uma escrita que inscreve seu próprio corpo e voz. Nesse texto é clara a imagem de Deus não como uma instituição religiosa e dogmática, mas sim como uma imagem cristalizada que merece a problematização. Lispector agarra a figura de divindade que embasa o sistema patriarcal e o mostra o que ela ser oprimido e feminino é capaz de fazer, para isso ela formula seu texto tal qual uma prece, como se estivesse louvando este ser criado à luz do sistema que a oprime (e tantas outras por aí!)e esvazia essa forma de sentido, ou seja, a poetisa agarra uma prece que tem como pressuposto louvar a divindade e com este formato textual a utiliza para a crítica a esta mesma entidade; ocorre o processo chamado morte do sagrado: O sagrado morreu em seu significado, as pessoas não sabem o que existe apenas seguem sem questionar; o sagrado morreu sim, no entanto há uma outra coisa em seu lugar, é o sagrado 'esvaziado' de significado, seja pela ideologia de um sistema, seja pela falta de tentativa de reencantamento de um mundo que oprime e massacra a outra face dos binários: a mulher, a lua, o misterioso, o subjetivo...
"Receba em teus braços o meu pecado de
pensar."
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